Alberto Bial
Contexto
A entrevista com o técnico cearense Alberto Bial foi produzida e realizada em 2017 para publicação na Revista Entrevista n.º 26, produto da Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará. Também escrevi o perfil de abertura, que você pode conferir abaixo.
Minha participação
Produção Entrevista Edição Escrita
The team
Ano
2017

Em terras desconhecidas e desertos, o jardineiro planta o esporte como semente de um legado
Em outra vida, Alberto Bial seria um monge, com trabalho e fé devotados à busca do divino. Poderia, também, ser um mestre samurai, transmitindo o legado e guardando a honra dos antepassados. Numa última suposição, haveria de ser um peregrino, explorando o desconhecido em busca de um propósito para si. Mas as almas dessas três vidas possíveis parecem terem se ligado, misturado, liquefeitas e fluidas, moldando uma à outra para tornarem-se a alma que conhecemos numa tarde nublada e quente de segunda-feira.
No dia em que encontramos Alberto Bial, ele estava pesado. Os grandes olhos azuis, carregados. Suportava o fardo da perda. Mas, talvez, por isso, estivesse ainda mais real, ainda mais humano. Em contrapartida ao peso, a consciência da própria humanidade parecia torná-lo leve. Aqueles 1,88 metros pareciam mais leves que o ar. Alberto era uma bigorna puxada por uma pena.
Alberto é uma figura inspiradora. Inspira a dor na gente, mas uma dor boa, aquela que vem quando alguém nos abre o mundo diante dos olhos. Quando alguém mostra o sofrimento alheio que ignoramos, o bem que poderíamos fazer e não fazemos e o tempo que desperdiçamos. Alberto faz isso - mesmo que não perceba - quando conta a própria história. E, então, a alma dói, em urgência, porque não pode mais suportar viver sem um propósito.
Provavelmente, um dia Alberto sentiu essa dor. O medo da inutilidade, de uma vida irrelevante. E nesse dia, decidiu que viveria para cumprir uma missão. E encontrou-a no esporte. Foi ele que o salvou. Da solidão, da falência, da inércia. Salvou não apenas ele, mas o falecido pai, seu Pedro, dos vícios. Logo quando menino, já sabia que o destino que o aguardava era o de um técnico. Seria técnico de basquete.
Quando olhamos para Alberto, é quase possível ver, atrás dele, todos os técnicos que teve e os que ainda tem, não apenas no esporte, mas na vida: seu Pedro; a mãe, dona Suzana, ainda viva e muito lúcida; seu Orlando Gleck, o técnico “aleijado” pelo qual Alberto apaixonou-se e cuja a morte não foi capaz de arrancar o respeito que lhe era devotado; Paulo Cezar Braz, o melhor amigo de toda uma vida que havia acabado de partir. São como guias, como oráculos, nas lembranças de Alberto. O legado que ele transmite também é de todos eles.
Se hoje Alberto faz o basquete acontecer no Ceará, é porque o faz não como um fim, mas como um meio. Descobriu, ainda cedo, que o esporte é capaz de gerar enormes transformações. Enfim, sente-se pleno na própria função. “A profissão de técnico me preenche demais”. Mesmo com o coração dividido entre o trabalho e a família, Alberto sente a urgência de continuar a jornada. Sai, então, explorando terras desconhecidas, até encontrar um deserto onde o basquete possa florescer. Alberto é um jardineiro.
Para o gigante com espírito de menino, o basquete é como a vida: sempre cheio de surpresas. Em ambos, é preciso reagir rápido, ter uma resposta na ponta da língua, ou dos dedos. Mas, parando para pensar, talvez, para Alberto, vida e esporte não sejam apenas semelhantes, mas sinônimos. “O esporte é uma coisa simples, mas é uma coisa muito forte. Arrebatadora, extraordinária, vital. Sem o esporte não há vida”.
Se a vida e o jogo são a mesma coisa, então, assim como o jogo, a vida é um sopro. É preciso se mexer. É preciso ganhar. Mas, acima de tudo, é preciso viver, é preciso jogar. Entre início e fim, há um meio. E é nesse meio que tudo acontece. Alberto está longe de chegar ao fim. Falo isso porque, mesmo quando chegar, a história dele continuará onde ele plantou. O que direi a seguir não deve ser entendido como um insulto a todos os bons jogadores do mundo, mas como um elogio ao esporte: se o basquete se tornasse uma pessoa, poderia tornar-se Alberto.



